sábado, 23 de junho de 2012

O Trem da Vida



Eu entendo que algumas pessoas precisam de bebida para se soltar, meu Tio Dalmo é uma delas.  No dia-a-dia sempre tímido, homem de poucas palavras, sempre falando baixinho, nunca olha nos olhos... Nas festas de família, um cantor, poeta, filósofo, faz declarações de amor aos parentes olhando nos olhos e com voz firme. Vou falar dele hoje, porque ele não me sai da cabeça.

Em todas as nossas festas de Natal, meu Tio Dalmo sempre fala de um tal “trem da vida”, mas nunca explica exatamente... É sempre assim: “É... É esse trem da vida que não pára. Você lá (RJ), eu aqui (SF), é esse trem da vida.”
Sempre achei que fosse papo de bebum, ria um pouco, ouvia sua cantoria sertaneja e mudava de assunto. E ele sempre falando durante toda a festa sobre esse assunto do trem da vida.
No último Natal, fui cumprimentá-lo e já puxei o assunto: “Tio, e o trem da vida, como anda?” Ele riu e começou a falar com os olhos marejados: “É... É esse trem da vida que não pára. Você lá (RJ), eu aqui (SF), é esse trem da vida.” Mas completou, segunra o copo numa mão e meu ombro na outra: “Eu nunca te disse isso, mas eu te admiro muito.” Dei um abraço forte nele e disse que também o admirava e que gostava muito dele.” Nos afastamos. Ainda escolhi algumas músicas para cantar para ele no videokê (sim, nas festas da minha família tem videokê e é um sucesso total!), outras para ele mesmo cantar (sem olhar a letra, porque cantor de verdade tem tudo gravado na memória).

Tempos depois ele bateu a cabeça e sofreu um corte profundo. Como a medicina em São Fidélis é meio atrasada, o hospital é imponente, mas não tem médico, deram uns pontinhos e mandaram para casa. O corte voltou a sangrar muito, ele perdeu muito sangue e resolveu fazer um check-up para ver se estava tudo certo após tanta perda de sangue. Não estava nada certo.

Hoje eu recebi a notícia que o caso dele é irreversível, estou muito triste.

Agora acho que entendi o que ele queria dizer sobre o trem da vida: a gente nasce e entra nesse trem, vai viajando, conhecendo os outros passageiros, passando por coisas boas, coisas ruins e uma hora a gente desce. Ninguém quer descer, mas é necessário, senão o vagão se enche de coisas ruins e fica insuportável. 
Tio, se estiver ruim para você, se estiver doendo muito, não sofra, desça. Mas eu quero muito que você segure firme no seu acento, levante as pernas, deixe as coisas ruins passarem por baixo e me encontre na próxima reunião de família. Um beijo!